Metas de programas para educação de qualidade avançam pouco e colocam ensino brasileiro em retrocesso

 

A educação brasileira está em retrocesso. Dados revelados pelo Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil apontam que seis das dez metas estipuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU) nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da educação retrocederam. O relatório também alerta que 13 das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) não apresentaram avanço significativo, e 90% delas não conseguirão ser atingidas em 2024.

O ODS é composto por 17 objetivos interconectados sobre os principais desafios de desenvolvimento vividos por pessoas no Brasil e no mundo. O trabalho faz um apelo global com metas para acabar com a pobreza, garantir a educação de qualidade a todos, proteger o meio ambiente e o clima, erradicar a fome etc. O ODS 4, que trata da educação, propõe “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”.

O capítulo de educação do relatório é coordenado e produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que integra o grupo de trabalho Agenda 2030.

Segundo a pesquisa, os baixos orçamentos investidos pelo país no setor, a pandemia de Covid-19 e a militarização nas escolas prejudicaram o desempenho das metas. Além disso, o Novo Ensino Médio também foi considerado uma ameaça, rebaixando a formação básica principalmente para grupos menos favorecidos e marginalizados da população.

Para o presidente da CNTE, Heleno Araújo, o declínio da educação começou a ser percebido a partir do golpe de 2016 e com a implementação da Emenda Constitucional (EC) nº 95, que atacou o financiamento do setor, reduzindo o orçamento desde 2017.

“O Fórum Nacional de Educação (FNE) também foi atacado em 2017, prejudicando a participação social, que é um dos pilares essenciais para o acompanhamento, monitoramento e cobrança do cumprimento de cada meta do PNE. Com a eleição do Bolsonaro, a situação piorou, pois tivemos uma negação das políticas educacionais, já que o governo reafirmou em manter a existência da EC nº95. Tudo isso provocou o retrocesso identificado nesse momento”, relata Heleno.

Formação de docentes

Outro destaque do relatório diz respeito à formação dos docentes. Seguindo os dados, o número de professores/as com instrução adequada não passa de 59% na média nacional. Em regiões rurais, no Norte e no Nordeste, a porcentagem fica abaixo dos 50%.

Heleno relata que essa questão é recorrente. Ele menciona que, de acordo com dados do Censo Escolar 2014, cerca de 24% do quadro de professores das escolas públicas da educação básica atuavam sem a formação adequada para o ensino fundamental e o ensino médio, lecionando em disciplinas para as quais não tinham licenciatura.

“O Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR) chegou a tentar corrigir essas questões, garantindo a primeira licenciatura para quem era leigo e a segunda licenciatura para quem leciona em disciplinas que não tinha a formação apropriada. Entretanto, com o ataque que o programa também sofreu em 2016, ele foi completamente extinto desse processo. Então, essa defasagem se dá pela falta de continuidade dessa política de formação dos profissionais da educação […] a interrupção do programa contribuiu para esses retrocessos identificados na pesquisa”, aponta.

Desestabilização do PNE

Questões como a permanência desigual nas escolas e em todas as etapas do ensino, a infraestrutura insuficiente e a promoção insatisfatória de políticas pautadas em direitos humanos e diversidade, que já foram identificadas em retrocesso anteriormente, ainda persistem, tendo avançado apenas 2,5% desde a instituição do PNE.

O relatório também indica que a distorção idade-série, altas taxas de evasão escolar e baixos índices de aprendizagem continuam. Segundo o documento, o racismo também chama atenção na educação, dado que “30% da juventude preta e parda entre 15 e 17 anos não frequentou ou não concluiu no tempo correto o Ensino Médio entre 2012 e 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, o número de jovens deste grupo com acesso à educação na idade correta era equivalente ao que a juventude branca brasileira alcançou 10 anos antes. O Novo Ensino Médio ameaça ampliar esse abismo”, revela o documento.

“O PNE 2014-2024 possui apontamentos para a universalização do direito à educação, para garantir que todas as pessoas de 4 a 17 anos estejam na escola, estimulando a permanência para a conclusão dos estudos, e também abarca as questões de valorização dos profissionais da educação e infraestrutura. Ou seja, abrange todas as condições para realizar o trabalho […], mas há uma regressão do financiamento. Se não têm recursos e nem participação social acompanhando e cobrando, a coisa desanda”, lamenta Heleno.

Para a coordenadora geral da Campanha Nacional de Direito à educação, Andressa Pellanda, “há retrocessos e avanços muito lentos para a garantia do cumprimento do PNE, que é, na verdade, a materialização dos ODS na educação brasileira — já que o PNE é mais avançado que o próprio ODS 4”, comenta.

“É ano de construção do novo PNE e a gente espera que a garantia do financiamento da educação seja feita com fôlego, para garantia do novo Plano sem retrocessos, e que garanta os avanços que a gente precisa para chegar em 2030 com os ODS cumpridos no Brasil, especialmente o ODS do direito à educação”, ela continua.

Para Heleno, a construção do novo PNE terá o desafio de colocar em prática e implementar o que já foi proposto no PNE 2014-2024. “Vai ter que repetir muitas das metas que não foram alcançadas e estratégias. O grande desafio é tirar isso do papel e implementar, colocar na prática do dia a dia”, diz.

Metas do ODS – 4

4.1 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes.

4.2 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os meninos e meninas tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para o ensino primário.

4.3 [RETROCESSO] Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade.

4.4 [RETROCESSO] Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo.

4.5 [RETROCESSO] Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade.

4.6 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres, estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática.

4.7 [ESTAGNADA] Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não-violência, cidadania global, e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.

4.a [AMEAÇADA] Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero, que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, includentes e eficazes para todos.

4.b [RETROCESSO] Até 2020, substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular, nos países menos desenvolvidos, pequenos estados insulares em desenvolvimento (SIDS) e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação (TIC), técnicos, de engenharia e  programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento.

4.c [AMEAÇADA] Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e SIDS.

O relatório indica as seguintes metas para reverter o quadro de precarização da educação:

  1. Revogar o Novo Ensino Médio, Lei 13.415/2017 e implementar efetivamente as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, para garantir uma educação antirracista e diversa;
  2. Financiar adequadamente a educação, cumprindo os mínimos constitucionais e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ);
  3. Investir adequadamente no ensino superior, na ciência e no desenvolvimento tecnológico;
  4. Regulamentar a ação do setor privado na educação, com base nos Princípios de Abidjan;
  5. Garantir plena regulamentação do Fundeb, ajustando fatores de ponderação para financiar adequadamente a educação de jovens e adultos e modalidades mais necessitadas tais como a educação no campo, quilombola e indígena;
  6. Reabrir turmas de EJA em todo o país, com qualidade, e garantir acesso e permanência à população foco dessa política;
  7. Suspender, pelo STF, as Leis que restringem o debate sobre gênero e orientação sexual nas escolas e rejeitar os mais de 200 projetos de lei nas Casas Legislativas do país, com o mesmo teor;
  8. Desmilitarizar, imediatamente, as escolas militarizadas.

FONTE: CNTE

Aplb

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