Sete em cada dez educadores(as) brasileiros(as) dizem ter escutado piadas racistas em seu espaço de trabalho, seja por parte de estudantes, professores(as) ou funcionários(as). O dado foi apresentado na pesquisa “Sua Escola É (Anti)racista?”, realizada pela ONG Quero na Escola, de fevereiro a maio deste ano.
De acordo com a organização, 624 educadores(as) participaram da pesquisa, que foi realizada de forma online e em diversas regiões do país. Do total, 69,9% dos(as) participantes afirmaram presenciar práticas racistas em suas unidades de ensino. Os(as) educadores(as) apontam que 46% das interações de cunho racistas foram perpetuadas por estudantes.
Já sobre os sinais de ódio e símbolos de cunho racistas, um total de 30,1% vê sinais de ódio e têm medo que algo ocorra em sua unidade e 28,5%, apesar de perceber ameaças, não têm medo. Neste recorte, a cor/etnia das pessoas impactam nas respostas. Apenas 37,2% responderam que nunca perceberam qualquer sinal, sendo que a maioria destes(as) são pessoas brancas (41,2%).
Quando quem ensina é vítima
Questionados(as) sobre sofrer racismo no espaço escolar, 23% dos(as) professores(as) apontam já ter sofrido algum tipo de discriminação racial. Entre as pessoas declaradas pretas, a situação é assustadora, cerca de 90% já enfrentaram uma situação de intolerância, enquanto pessoas pardas apontam um índice de 39%. Para as pessoas que se declararam brancas, de forma coerente, esta não é uma questão pessoal, mais de 90% nunca sofreu.
Vale destacar que entre os(as) entrevistados(as), 30,4% se declararam negras, 20,5% pardas e 46,6% pessoas brancas.
Dentre os(as) educadores(as) que presenciaram alguma atitude racista, a maioria (40,9%) afirma que acha ofensivo e fala que não gostou, enquanto um percentual próximo solicita que providências, como retratação ou intervenção pedagógica (38,6%), sejam tomadas.
A pesquisa aponta ainda que os(as) educadores(as) encontram uma maior dificuldade em trabalhar temas relacionados à raça/etnia, sendo as principais o preconceito da comunidade, especialmente os(as) evangélicos(as), o isolamento dentro de suas unidades escolares e currículos pré-concebidos com pouca possibilidade de relacionar conteúdos.
“Sou coordenadora e a minha maior dificuldade é o silêncio dos interlocutores. Qualquer outro assunto, percebo que os professores buscam informações e possibilidades para além das discussões. Quando o papo é racismo, cultura africana, relações étnico-raciais, o silêncio paira e infinitamente eu e mais uma pessoa somos as falas ativas das reuniões”, conta uma educadora em resposta à pesquisa.
Como forma de fortalecer neste debate, a ONG Quero na Escola disponibiliza para educadores(as) e pessoas envolvidas no processo educacional antirracista duas comunidades de WhatsApp onde é compartilhado com o público conteúdos antirracistas e materiais que possam auxiliar na elaboração de planos de aula e ações nas escolas.
É preciso resistir para avançar
Baseada no questionário da ONG Quero na Escola, a professora Doutora Nailze Pereira de Azevedo Pazin, de Florianópolis, resolveu aplicar a pesquisa em sua unidade escolar.
Com apoio da direção da Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito, a educadora aplicou as perguntas para avaliar como a equipe pedagógica pode avançar para trabalhar o tema étnico/racial e certificar que o debate da pauta seja trabalhado de forma efetiva na educação pública.
Nailze aponta que além de garantir que educadores(as) tenham o letramento racial, é preciso garantir que o currículo das escolas seja descolonizado.
“Nós temos que descolonizar o currículo e nos descolonizar, temos que pensar nas nossas formações. Muitos(as) professores(as) não tiveram uma formação adequada o suficiente para estar fazendo a sua prática transformadora. Fazemos isso estudando, lendo autores(as) negros(as), se atualizando”, explica.
Outro ponto que a doutora aponta como crucial para o avanço da aplicação da Lei 10.639/03 é a produção do material didático. Segundo Nailze, é importante que educadores(as) que já estejam produzindo seus materiais em suas unidades possam ter um apoio das secretarias de educação para publicação de suas obras.
“É possível a gente pensar metodologias levando em consideração as diferentes realidades, as diferentes regiões e acho que isso é extremamente importante pensar dessa forma”.
Já a Professora Doutora Maristela Campos, professora de Inglês do Colégio de Aplicação da UFSC e colaboradora no “Quero na Escola” reforça que os(as) professores(as) devem se envolver no trabalho trazendo a questão étnico-racial no seu dia a dia, não tratando do assunto apenas no Dia da Consciência Negra.
“Há uma oferta interessante de materiais, de plataformas educacionais, de pesquisas e estudos na área disponíveis em sites especializados. Os clichês e estereótipos se dão principalmente nas redes sociais e estas não devem ser as únicas fontes de contato com a temática. Outro ponto importante: todos os professores de uma unidade escolar devem estar envolvidos, assim como os técnicos, bibliotecários e os profissionais da manutenção, merenda e limpeza. A escola precisa reconhecer que todos os profissionais envolvidos fazem a educação”, pontua Maristela.
Educadores(as) têm o poder de mudança
Em consonância com as docentes, a secretária de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo da APP-Sindicato, Celina Wotkoski, entende que uma das principais formas de promover o debate racial na educação e garantir que esse cenário mude é fazendo valer a Lei 10.639/03.
“Esta lei veio para que seja implementada dentro das escolas a cultura afrobrasileira e africana, a cultura antirracista. Temos que entender, aplicar e debater a lei entre nossos pares, para que possamos falar a mesma linguagem, garantindo que assim possamos abolir de vez piadas de cunho racista de nossas escolas”, aponta a secretária.
“É urgente que todas as pessoas que trabalham na Educação de crianças e adolescentes responsabilizem-se pela educação nas relações étnico-raciais e a tornem componente imprescindível em seus planos de ensino. Que educadores e educadoras não negras observem o caráter da lei e sua principal finalidade: a de construir uma sociedade mais justa para todos, não relegando o papel de enfrentamento somente aos educadores e às educadoras negras da escola”, finaliza a doutora Maristela Campos.