Alta contaminação e salas vazias marcam volta às aulas presenciais no país

O Brasil volta a registrar alta na média diária de mortes e de novos casos confirmados de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, e entre as vítimas tem cada vez mais trabalhadoras e trabalhadores na educação e alunos das escolas públicas onde as atividades escolares foram reabertas – total ou parcialmente – em plena pandemia.

É o que está acontecendo em estados como Rio de Janeiro e São Paulo e no Distrito Federal, que estão entre os mais afetados pela pandemia desde março e mesmo assim determinaram a volta às aulas presenciais. Logo passaram a registrar aumento no número de casos de pessoas da comunidade escolar contaminadas pelo novo coronavírus.

Em muitas escolas, as salas de aulas estão vazias porque os pais e familiares não estão se sentindo seguros para voltar ao ambiente escolar. E não faltam razões para temer a contaminação em um país onde o presidente nega os riscos da doença e zomba das pessoas que se protegem chamando-as de ‘maricas’, como fez Jair Bolsonaro (ex-PSL) e nada fez para conter a disseminação do vírus.

Pesquisadores de diversas universidades federais afirmam que a falta de testagem sistemática com rastreamento de casos, de uma política nacional coordenada, clara e eficaz de enfrentamento da situação, e o afrouxamento das medidas de isolamento sem evidências empíricas, sem uma análise cuidadosa por uma painel de especialistas, têm contribuído para a segunda onda da pandemia do novo coronavírus no Brasil.

De acordo com o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Rede Escola Pública e Universidade (Repu) Fernando Cássio, na Alemanha as escolas foram reabertas com segurança porque o governo testa muito e rastreia os contatos. Diferente do Brasil, que não testa e ainda não tem políticas públicas de melhorias nas estruturas das escolas.

A comunidade escolar em isolamento, afirma o professor, significa que quase 30% da população estarão protegidas. A pressão pela volta as aulas, segundo ele, é na verdade pelo retorno da economia. O professor ressalta que a população está abandonada pelo Estado.

“O Estado não produziu condições para o retorno seguro e passou para as. pessoas a responsabilidade. As escolas não estão preparadas para o retorno escolas. Não tem saída para lidar com a pandemia sem investimento público massivo. Um país que deixa apodrecer quase 7 milhões de testes, que daria para testar toda a população do Rio de Janeiro, mostra o descaso com a vida da população”, completa o professor.

Em São Paulo, o aumento das contaminações na comunidade escolar é um fato comprovado. Segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), o número de internações por Covid na rede municipal da capital aumentou 26% na última semana.

Uma trabalhadora de um Centro Educacional Unificado (CEU) em São Paulo, que não quis se identificar e nem dizer em qual unidade trabalha por medo de represálias, disse que uma semana após a instrução do prefeito Bruno Covas (PSDB) de retomada de atividades extracurriculares, ela e seus colegas têm visto a doença chegar cada vez mais perto.

“Estou esperando sair o resultado do teste que fiz para saber se estou com a Covid-19 porque uma colega que estava indo participar das reuniões que discutiam as ações de retorno das atividades presenciais na escola testou positivo e grande parte dos trabalhadores deste CEU teve contato com ela, ou para marcar ponto ou nos ambientes que fomos nos alimentar. Outras unidades também estão passando por este problema e esta segunda onda está deixando a gente mais preocupada”, afirma a trabalhadora no CEU.

Depois da confirmação de casos de Covid-19 na Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, o Sindsep solicitou a imediata suspensão das atividades. O sindicato reivindicou na solicitação “a testagem de todos trabalhadores e trabalhadoras da Unidade” e que se retome o isolamento social pela vida da categoria.

Em Brasília, um aluno do 3º ano do ensino médio voltou para escola com vários cuidados, mas um colega de sala pegou Covid e a direção da suspendeu as aulas por 15 dias.

No Rio de Janeiro, além dos professores estarem em greve desde julho contra o retorno das atividades presenciais, mais de 100 escolas da rede municipal já foram fechadas por conta da alta na contaminação.

“Com essa greve que estamos construindo já conseguimos salvar muitas vidas, atrasar a volta das aulas e ir dialogando com os responsáveis. Nós não interrompemos as atividades remotas e menos de 5% dos estudantes estão indo de fato para o ensino presencial”, explicou a professora da rede municipal e vice-presidenta da CUT Rio de Janeiro, Duda Quiroga.

Em Santa Catarina, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (SINTE-SC) havia conseguido uma medida liminar impedindo a decisão do Governo de Estado de volta às aulas presenciais na rede pública estadual nas regiões de risco grave de contaminação. Porém, nessa terça-feira (24), a Justiça revogou a decisão do sindicato.

O coordenador estadual do Sinte-SC, Luiz Carlos Vieira, explicou que o sindicato vai recorrer da decisão “A nossa ação judicial tem por objetivo preservar a vida e está baseada em estudos científicos da Fundação Oswaldo Cruz que indicam o risco de contágio em massa no caso de retorno de aulas presenciais e, também, nos próprios Boletins Epidemiológicos da Secretaria de Estado da Saúde, que mostram que o estado está atingindo o segundo de pico da pandemia. Preservar vidas é mais importantes que os processos econômicos e pedagógicos”.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, todos os dados divulgados nos últimos dias por pesquisadores e a imprensa mostram que o vírus não está sendo controlado e são indicadores de que não podemos ainda retornar as atividades presenciais das escolas públicas do país. Segundo ele, a direção da CNTE acha precipitada qualquer decisão de retorno ao ambiente escolar neste momento.

“As escolas não estão preparadas para garantir segurança sanitária para todo o conjunto da comunidade escolar e este clima de normalidade pode piorar ainda mais a situação” – Heleno Araújo

Pesquisas já mostravam em agosto que pais eram contra volta as aulas presenciais

Em agosto, uma pesquisa do Datafolha indicou que 79% dos brasileiros acreditavam que a reabertura das escolas iria agravar a pandemia. Um mês depois, o Ibope levantou que 72% dos brasileiros das classes A, B e C não eram apenas contra a reabertura naquele momento, mas defendiam que ela só ocorresse quando disponibilizada vacina contra o coronavírus. No final de setembro, depois de dois meses de uma pauta intensamente favorável à reabertura na grande imprensa, o Datafolha mostrou que 75% dos eleitores na cidade de São Paulo ainda preferem que as escolas permaneçam fechadas.

Segunda onda da doença e impacto nas escolas

Pesquisadores do grupo interdisciplinar Ação Covid-19 e da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), em estudo divulgado em agosto, simularam diversos cenários e concluíram que, mesmo que protocolos de higiene e de distanciamento sejam seguidos pela maioria das pessoas, e mesmo com um retorno de baixa densidade, será possível observar alguma dinâmica de infecção nos espaços escolares.

Segundo uma simulação sobre a dispersão do novo coronavírus, entre 11% e 46% dos alunos e professores de uma escola podem ser infectados 60 dias após a retomada das aulas presenciais.

simulador público foi disponibilizado às escolas para que avaliem a situação de acordo com as condições e tamanho de cada unidade.

(CUT Brasil, Érica Aragão com edição de Marize Muniz, 25/11/2020)

Aplb

Voltar ao topo