O desafio de construir um novo Fundeb

A atenção do Congresso Nacional e do governo federal está voltada para a reforma da Previdência. Mas outro tema, que envolve o futuro de 40 milhões de crianças e adolescentes de escolas públicas, como Bianca Vitória Silva, 12 anos, moradora de Palmares, na Zona da Mata pernambucana, precisa urgentemente da mobilização, debate e ações concretas do poder público: a continuação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Principal fonte de recursos para municípios e Estados investirem da educação infantil ao ensino médio e pagarem salário aos docentes, o fundo expira em dezembro do próximo ano. É consenso entre governadores, prefeitos, secretários de Educação e especialistas da área que, além da continuidade, o mecanismo de financiamento necessita tornar-se permanente e ser ampliado.

Declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o governo poderá propor a desvinculação dos gastos do orçamento em saúde e educação, por exemplo, acenderam o alerta entre os defensores do Fundeb. “Essa desvinculação é perigosa. Dá uma falsa liberdade aos prefeitos. O Fundeb é hoje a principal política de financiamento da educação para os municípios. Está defasado, subfinanciado, mas precisa continuar”, observa o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e prefeito de Afogados da Ingazeira, José Patriota.

“Até agora o governo federal não apresentou proposta concreta, o que nos deixa preocupados. Esperamos que a crise no Ministério da Educação tenha chegado ao fim para que a equipe mostre a política que vai defender”, complementa Patriota.

Veja entrevista com Caio Callegari, do Movimento Todos pela Educação

“O Fundeb deve ser mantido e incorporado à Constituição Federal. Para cumprirmos as metas do Plano Nacional de Educação necessitamos de um fundo sustentável e com maior complementação da União”, diz a presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco (Undime-PE) e secretária de Educação de Bonito, Elza Silva.

“O Fundeb é uma política essencial para a educação básica. É preciso debater e avançar na regulamentação do Custo Aluno Qualidade (CAQ) para que o fundo seja permanente e robusto financeiramente”, ressalta o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.

Começa amanhã em todo o Brasil a 20ª Semana Nacional de Educação, promovida pela entidade. O financiamento público para educação básica, que inclui o Fundeb, será debatido nas escolas na terça-feira (23).

COMISSÃO

A manutenção do Fundeb depende da aprovação, no Congresso Nacional, de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Uma comissão especial foi criada na Câmara de Deputados, no fim de fevereiro, para retomar o assunto, bastante discutido lá e no Senado Federal no ano passado. Até a última terça-feira (16), a comissão tinha 26 titulares e 14 suplentes (o máximo são 34 membros de cada). A constituição do grupo, ou seja, o início dos trabalhos, depende agora, da decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“Há um longo caminho, no Congresso, a ser percorrido. Tem todo o passo a passo de aprovação, de idas e vindas, na Câmara e no Senado. Por isso a urgência em retomar o debate”, alerta o secretário estadual de Educação de Pernambuco, Frederico Amancio, que também é vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Rodrigo Maia prometeu constituir a comissão após o feriado da Páscoa, segundo a deputada federal Dorinha Seabra (DEM-TO), relatora de uma das PECs sobre o Fundeb.

“Sabemos que vamos enfrentar resistência, sobretudo da área econômica. Um governo que fala em desvincular investimentos em educação e saúde não consegue enxergar o quanto os municípios, principalmente os mais pobres, dependem de recursos como o Fundeb. Precisamos que a sociedade entenda a importância do fundo para a educação pública. E nos ajude a pressionar por mais recursos”, diz Dorinha Seabra, que preside a recém-criada Frente Parlamentar Mista da Educação, grupo que terá papel estratégico nas discussões sobre o fundo.

A estimativa é de que sejam destinados R$ 157 bilhões para o Fundeb este ano, sendo R$ 14 bilhões da União (orçamento do MEC é de R$ 121,9 bilhões). “A União, que fica com o maior volume dos recursos arrecadados dos impostos, tem que contribuir mais. Minha proposta é que a complementação federal passe dos atuais 10% para 15%. E a cada ano aumente 1,5% até chegar a 30%”, explica Dorinha Seabra.

INVESTIMENTO

Em Palmares, onde Bianca estuda, 93% dos recursos que o município recebe do Fundeb são para custear salário dos professores e demais profissionais da educação. Ainda assim, o prefeitura não paga o piso do magistério. “São quatro anos sem reajuste. E o município só investiu 17% dos recursos na educação, pela Constituição deveriam ser 25%”, afirma a presidente do Conselho Municipal de Educação, Izabel Mota.

“Minha escola é legal, os professores são bons. Sinto falta de biblioteca, pois gosto de ler. Também não existem laboratórios”, diz Bianca, aluna do 7º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Jayme de Castro Montenegro. Nascida em janeiro de 2007, mesmo mês de implementação do Fundeb, Bianca é uma das que dependem de mais verbas para assegurar educação de qualidade.

ENTENDA O FUNDEB

O que é o Fundeb

– Foi criado em dezembro de 2006, por meio de uma emenda constitucional. Começou a vigorar em janeiro de 2007 e tem validade até dezembro de 2020

– O fundo financia todas as três etapas da educação básica nas redes públicas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Pelo menos 60% do recurso deve ser usado para pagamento dos salários dos professores

* De onde vem o dinheiro

– É um conjunto de 27 “poupanças” estaduais nas quais cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal depositam parcela de seus impostos e transferências constitucionais vinculadas à educação básica (são cerca de 20 impostos diferentes, como IPVA e ICMS)

– Essas poupanças são redistribuídas para as redes de ensino municipais e estadual, de acordo com o número de alunos matriculados

– Com essa distribuição, cada Estado passa a ter um valor de referência por aluno e, em seguida, o governo federal define um valor mínimo nacional por aluno

– Os Estados que não conseguirem atingir esse valor mínimo recebem complemento da União. Em 2019 recebem esse complemento sete Estados do Nordeste e dois do Norte: Pernambuco, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Amazonas e Pará

– Após a definição do valor de cada aluno é feita uma ponderação que considera a etapa do estudante, se a escola dele é urbana ou rural e se o ensino é regular ou integral. Um aluno de creche e que fica o dia todo na unidade de ensino, por exemplo, custa mais que um estudante do ensino médio que permanece apenas um turno na escola

* Pagamento

– Os recursos do Fundeb são distribuídos de forma automática (sem necessidade de autorização ou convênios) e periódica, mediante crédito na conta específica de cada governo estadual e municipal

– O dinheiro do Fundeb só pode ser usado para salários de professores (no mínimo 60%) e outros profissionais da educação ou em ações da educação básica

– O montante arrecadado por cada Estado é redistribuído apenas entre os municípios e a rede estadual dessa unidade da Federação

Fontes: FNDE e Movimento Todos pela Educação

(Jornal do Commercio, 21/04/2019)

Aplb

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