O governo de Jair Bolsonaro esvaziou no primeiro semestre deste ano ações voltadas para a educação básica. Foram afetados, por exemplo, repasses de apoio a educação em tempo integral, construção de creches, alfabetização e ensino técnico.
A Folha obteve dados por meio da Lei de Acesso à Informação e do Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo). Não houve repasse para o apoio à educação integral nos ensinos fundamental e médio. Em todo o ano passado, foram transferidos R$ 399,6 milhões para 9.197 escolas.
Como os alunos estão matriculados nas redes municipais e estaduais, o governo federal realiza transferências para redes e escolas para apoiar governos e induzir políticas. O fomento para o ensino integral, por exemplo, vinha ocorrendo por meio do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). Não havia expectativa de redução de verba porque o PDDE não está incluído nas rubricas do orçamento que compõem o contingenciamento de R$ 5,7 bilhões determinado para o MEC (Ministério da Educação) neste ano.
“A descontinuidade gera um desgaste grande para quem está na ponta, pois o gestor tem que justificar para as escolas onde havia tempo integral e deixou de ter”, diz Alessio Lima, presidente da Undime, entidade que reúne secretários municipais de Educação.
A meta do Plano Nacional de Educação é ter ao menos 25% dos alunos em tempo integral até 2024. O país registrou 15% no ano passado. Esse patamar pode cair, pois a falta de verba reduz a capacidade das redes em manter alunos mais tempo na escola.
Não houve ainda repasses de modalidades específicas do PDDE a obras de acessibilidade, fornecimento de água, instalação de internet e apoio a escolas rurais. Em 2018, o gasto federal nessas ações somaram R$ 129,4 milhões.
O MEC só executou até agora a modalidade básica do PDDE, previsto para pequenas obras e compras. Esses repasses somam R$ 343 milhões, 18% do previsto para todo o programa no ano.
Recursos para creches também foram reduzidos. Um terço das crianças de até 3 anos estão nessas instituições, e a meta é chegar a 50% em 2024.
Até abril, foram pagos R$ 10,3 bilhões para a continuidade da construção de unidades municipais por meio do programa Proinfância. O valor representa 13% do executado no mesmo período de 2018.
O MEC afirmou que, das 9.028 obras aprovadas desde 2007 pelo Proinfância, 4.981 ainda não foram finalizadas.
Segundo dados obtidos pela Lei de Acesso, houve retomada neste ano de 67 obras que estavam paradas em 2018. Em 2017, 174 foram reativadas.
Repasses obrigatórios para alimentação e transporte escolar não foram interrompidos, chegando, na média dos dois, a 53% de execução, de um valor orçado de R$ 2,6 bilhões.
O MEC teve um semestre conturbado, com crises entre as alas militar e ideológica, paralisia e a demissão do então ministro Ricardo Vélez Rodríguez em abril. Abraham Weintraub assumiu o cargo e, diante do contingenciamento na área, fez uma série de críticas às universidades federais, reforçando que a prioridade do governo é o ensino básico.
Em maio, o próprio Bolsonaro disse em entrevista que a etapa educacional seria privilegiada. “A gente não vai cortar recurso por cortar. A ideia é pegar e investir dinheiro na educação básica”, disse.
A primeira ação do governo na educação foi lançar uma nova política de alfabetização. Até agora, porém, só houve publicação de um decreto.
Iniciativas existentes para o tema foram praticamente extintas. Nenhum repasse foi feito para as escolas dentro do Mais Alfabetização, criado em 2018 para ações como a adoção de professor extra.
O Brasil Alfabetizado, de bolsas para jovens e adultos, parou. Em 2018 foram atendidos 114 municípios. Neste ano, só um —e por decisão judicial.
O MEC anunciou na quinta (11) um plano estratégico para a educação básica sem citar as estratégias para alfabetização. De novidade, previu o apoio à criação de 108 escolas cívico-militares até 2023. O restante das ações retoma o que foi esvaziado na atual gestão.
A pasta diz que vai reestruturar o Proinfância para a conclusão de creches e retomar programa de expansão de carga horária no ensino fundamental, mas não definiu o orçamento para essas ações.
Há previsão de R$ 230 milhões para o ensino integral no médio, com recursos a partir de setembro, que terão impacto no próximo ano. Também foi anunciada a volta do investimento na conectividade nas escolas, com R$ 120 milhões.
Segundo o MEC, as transferências relacionadas ao PDDE “estão em fase de preparação para liberação de pagamento”. Sobre o Brasil Alfabetizado, a pasta informou que reavalia o programa para alinhá-lo à nova política e que a última turma foi encerrada em 2018.
“Com o atraso no início da utilização dos recursos, no cronograma e nas atividades, o ano parece começar aqui”, diz Fred Amancio, secretário de Educação de Pernambuco e vice-presidente do Consed, de dirigentes estaduais.
Anna Helena Altenfelder, do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), diz que as rupturas decorrentes da falta de recursos impactam os alunos. “Até agora, a política do MEC foi a de cortes”, diz.
Outra prioridade do governo, a educação profissional, passou por esvaziamento sem iniciativas de expansão. O total de alunos no Pronatec caiu 58% de 2018 para 2019. O programa envolve ensino médio integrado a técnico, cursos de qualificação e nível superior.
O MEC diz que busca otimizar recursos repassados e não aplicados para ampliar matrículas neste ano. Já o Pronatec terá revisão, diz o ministério.
A pasta executou 41% do orçamento de R$ 122,9 bilhões. Excluídos repasses fixos, como a complementação ao Fundeb (fundo para a educação básica) e encargos com pessoal, a execução foi de 28%.
(Folha de São Paulo, 15/07/2019)