A proposta de reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro e a alta taxa de desemprego no país conseguiram algo que para muitos parecia impossível. Unir, em um mesmo ato do Dia do Trabalhador, dez centrais sindicais, dentre elas as por vezes antagônicas Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical. Foi a primeira vez que as duas realizaram as comemorações do 1º de maio juntas. Dividiam o palco, montado no vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo, o ex-candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, lideranças do PSOL, PDT, e o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que votou pelo impeachment da então presidenta Dilma Rousseff e até recentemente era chamado de “golpista” pelos simpatizantes da petista. Foi um raro momento de unidade da esquerda, todos “em defesa dos direitos dos trabalhadores e da Previdência”, afirmou Haddad.
Além da reforma da Previdência, a luta contra o desemprego —que alcança 13,4 milhões de brasileiros— foi outra das bandeiras levantadas no ato. “Quem tem um parente desempregado ou está sem trabalhar, levanta a mão”, gritou um líder sindicalista. No meio do público, milhares ergueram os braços. Marcelo Caetano de Souza, 43, foi um deles. “Eu era marceneiro, mas perdi o emprego três anos atrás, no final do Governo Dilma, e desde então não consegui mais me recolocar no mercado”, afirma. Hoje faz bico de ambulante. “A reforma será péssima. Vai afetar especialmente os mais pobres”.
O primeiro grande teste desta coalizão intersindical e pluripartidária será em 14 de junho, data para a qual foi convocada nesta quarta-feira uma greve geral em todo o país. Ainda é cedo para prever se haverá adesão massiva à convocatória, o que em tese colocaria pressão nos congressistas que discutem a reforma em Brasília. Representantes do sindicato dos metroviários de São Paulo, que tem potencial para parar a cidade, sinalizaram que devem aderir. “Dia 14 não terá trem, metrô nem ônibus”, disseram, para a multidão que lotou o vale do Anhangabaú.
Considerado um estranho no ninho no evento, o deputado Paulinho da Força afirmou que o bloco conhecido como centrão da Câmara está discutindo a necessidade de “fazer uma reforma que não garanta a reeleição de Bolsonaro”. Segundo o parlamentar, a economia para os caixas públicos prometida pelo presidente caso a reforma seja aprovada da maneira como está garantiria um segundo mandato ao capitão. “Nos últimos três anos de mandato ele teria 240 bilhões de reais para gastar [por ano], ou seja, garantiu a reeleição”, afirmou.
Enquanto Paulinho está de olho em barrar Bolsonaro em 2022, Maria Creusa, 64, tem uma preocupação mais imediata. Ao lado do pequeno Hércules, de 11 anos, ela explica o que a levou ao Anhangabaú. “Eu consegui me aposentar aos 60. Tive sorte. Com essa reforma eu ainda teria que trabalhar pelo menos mais quatro anos para isso. Vim para a rua porque sinto que a aposentadoria e o futuro do meu neto estão em perigo. Isso para não falar da educação, que está sendo sucateada pelo Governo”, afirmou.
Uma ausência notada no ato foi a do candidato do PDT à presidência, Ciro Gomes. Indagado sobre o fato, Haddad, que em entrevista ao EL PAÍS não disfarçou o mal-estar entre o pedetista e ele após o primeiro turno das eleições, minimizou o não comparecimento: “O Lupi [Carlos Lupi, presidente do PDT] está aqui, as centrais também estão aqui todas. Mas nem todos os presidenciáveis estão aqui. Marina não está, Ciro não está”. Em seguida, disse que não comentaria a falta de Ciro. Lupi, por sua vez, afirmou que o ex-governador do Ceará “achou oportuno não ir ao ato, que é dos trabalhadores e sindicatos, para não parecer eleitoreiro”.
Com ou sem Ciro, uma frente de esquerda para enfrentar a reforma esbarra em uma série de problemas. A professora Nadine Marques, 32, elogiou a união das centrais sindicais. “É fundamental nessa hora”, disse. Mas criticou o que chama de uma “esquerda arcaica, que se nega a enxergar os absurdos que o presidente Nicolás Maduro faz na Venezuela e continua a defendê-lo”. Indagado sobre isso, Haddad se limitou a dizer que “a esquerda é a favor da auto determinação dos povos e contra a ingerência de países estrangeiros”.
Guilherme Boulos, liderança do MTST e ex-candidato à Presidência pelo PSOL, chamou a unidade entre as centrais sindicais e movimentos sociais como a Frente Povo Sem Medo de “histórica” e “improvável”. “O Bolsonaro conseguiu a proeza de unir a oposição e as diferentes centrais. Apesar das diferenças entre elas, todos perceberam que é hora de trabalhar junto para derrubar esta reforma”, afirmou.
O presidente da CUT, Vagner Freitas, reconheceu de forma velada que além das pautas em comum, a falta de verba decorrente do fim da contribuição sindical obrigatória, aprovado em 2017, também teria aproximado as centrais. “Muita gente estava torcendo contra [a união entre as entidades], o presidente disse que o ato seria esvaziado porque os sindicatos estavam quebrados. Se estamos quebrados ou não, não sei, mas que estamos com muita vontade de luta, isso é um fato”, disse.
Fonte: EL PAÍS
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