“Nova” Política Nacional de Educação Especial é anacrônica e privatista

 

O governo federal editou em 30.09.2020 o decreto 10.502, que trata da Política Nacional de Educação Especial (PNEE): Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. A adjetivação dessa política, no entanto, em nada condiz com os rumos definidos pelo Decreto. O que se verifica de fato é um enorme retrocesso nos compromissos do Estado em avançar na escolarização inclusiva das pessoas com deficiência e em conjugar o direito à educação com outras políticas públicas (saúde, acessibilidade, inclusão social, trabalho e renda etc), a fim de promover a plena cidadania e o bem-estar individual e coletivo das pessoas com deficiência.

Essa orientação retrógrada da PNEE-2020 colide com os objetivos construídos pela sociedade brasileira, inclusive à luz de orientações internacionais, que privilegiam as políticas de ampla inserção das pessoas com deficiência nas escolas e demais setores da vida pública. E, ao invés de investir na ampliação desses compromissos reivindicados pela sociedade, o governo Bolsonaro se volta para um tipo de atendimento escolar segregador e orientado para a oferta predominante privada.

Embora o decreto 10.502 não tenha revogado dispositivos de outros atos normativos (sobretudo os decretos 7.611/11 e 7.612/11), a nova PNEE não dialoga com esses dois últimos instrumentos, muito menos com o decreto 6.949/09, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Lei 13.146/15, que trata do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educação (com destaque para a meta 4 do PNE), além de outras normas específicas da Educação Especial e princípios inclusivos da Constituição Federal.

Outro agravante do decreto 10.502 diz respeito à determinação expressa em seu art. 16 para que o Conselho Nacional de Educação elabore novas diretrizes curriculares para a educação básica e a formação de professores, atentando-se para o viés do atendimento especializado às pessoas com deficiência, em contraposição às orientações da educação inclusiva que passaram a dominar os documentos do CNE nas últimas décadas.

Em resumo, estamos a presenciar mais uma ofensa grave desse governo antidemocrático, conservador e anacrônico que contraria os interesses de uma sociedade que se pretende plural, progressista, solidária e inclusiva. Lembremos que um dos primeiros ataques de Bolsonaro ao Ministério da Educação consistiu em extinguir a Secretaria de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão (Secadi). Ademais, esse (des)governo insisti a todo momento em destruir os avanços democráticos de nossa sociedade, contrariando a ciência e o compromisso público em melhor atender a população ou em cuidar do meio ambiente e das riquezas do país.

Por fim e diferente do que ainda se encontra previsto nos decretos 7.611 e 7.612, que facultam o atendimento de determinadas demandas escolares através de entidades comunitárias, confessionais e filantrópicas, devidamente conveniadas com o poder público, a nova PNEE, em nenhum momento, faz referência a parcerias com essa espécie de instituição jurídica sem fins lucrativos, o que indica a prevalência de um projeto privatista para o atendimento escolar e de outras atividades especiais voltadas às pessoas com deficiência no Brasil.

A CNTE atuará em parceria com as entidades progressistas da sociedade civil que já se manifestaram contrárias ao decreto 10.502, no sentido de requerer a sua imediata revogação ou mesmo a cassação por via judicial, uma vez que o ato normativo contraria leis e decretos que prezam pela educação inclusiva e integrada com outras políticas públicas, ferindo, ainda, princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e da isonomia às pessoas com deficiência.

Brasília, 2 de outubro de 2020
Diretoria da CNTE

Aplb

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